Estado abandona crianças: quase 90% das vítimas de violência sexual no Pará são meninas
Dados alarmantes revelam o descaso com a infância feminina: em cinco anos, 19.631 casos de crimes sexuais contra crianças foram registrados no estado
A realidade é cruel e os números não mentem: no Pará, ser menina significa estar em risco constante. Um levantamento devastador do Coletivo Futuro Brilhante revela que quase 90% das vítimas de violência sexual contra crianças e adolescentes no estado são meninas. Entre 2019 e 2023, foram 19.631 ocorrências registradas contra pessoas de 0 a 17 anos.
"Esses dados expõem a face mais perversa de uma sociedade que falha em proteger suas crianças", denuncia o estudo apresentado durante o Seminário Estadual de Revisão do Plano Decenal Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual, em Belém.
Territórios do horror: onde o Estado se ausenta
Vitória do Xingu lidera proporcionalmente a violência sexual no estado, seguida por Salvaterra e Soure, no arquipélago do Marajó. Não é coincidência: são territórios onde o capitalismo selvagem e a ausência do Estado criam o cenário perfeito para a barbárie.
Das 19.631 vítimas, 17.518 são meninas. A violência atinge tanto crianças pequenas quanto adolescentes: 8.437 casos entre 0 e 11 anos e 11.194 entre 12 e 17 anos. A própria casa, que deveria ser refúgio, torna-se cenário de horror na maioria dos casos.
"A residência da vítima é o principal local dos crimes", aponta o levantamento. Mais de 17 mil registros identificam homens como suspeitos, sendo a maioria pessoas próximas: tios, padrastos, vizinhos e parceiros das mães.
Capitalismo predatório e violência estrutural
Em Vitória do Xingu, a instalação da Usina Hidrelétrica Belo Monte trouxe "transformações abruptas, deslocamentos populacionais e tensões socioeconômicas", conforme estudos da UNAMA. O grande capital chegou, mas a proteção social ficou para trás.
No Marajó, a situação é ainda mais grave. Pesquisas da UFPA identificam "pobreza extrema, longas distâncias, precariedade do Estado, desigualdade de gênero e turismo sem regulação" como fatores que transformam Salvaterra e Soure em territórios de alto risco.
"Em Salvaterra, há vulnerabilidade ao turismo sexual. Em Soure, o Conselho Nacional de Justiça aponta naturalização da violência doméstica e subnotificação", revelam os diagnósticos oficiais.
A voz da resistência
Para o mestre em Segurança Pública Diogo Martins, os dados evidenciam um padrão claro de abandono estatal. "Quando observamos esses territórios, enxergamos onde a vulnerabilidade social é profunda e histórica. A soma de pobreza, desigualdade, ausência do Estado e turismo desregulado cria um ambiente onde a violência sexual encontra menos barreiras".
O especialista é direto: "Esses elementos reduzem drasticamente os mecanismos de prevenção, denúncia e proteção. Onde há menos fiscalização e mais dependência econômica, o agressor encontra terreno fértil".
O Coletivo Futuro Brilhante, que atua desde 2014 na prevenção da violência sexual infantojuvenil, representa a resistência organizada da sociedade civil diante do descaso das autoridades. Suas ações educativas em escolas públicas mostram que é possível construir alternativas quando há vontade política e compromisso social.
Os dados não são apenas estatísticas: são vidas destroçadas por uma sociedade que prioriza o lucro sobre a proteção de suas crianças. É urgente que o Estado assuma sua responsabilidade e que a sociedade se mobilize para romper este ciclo de violência estrutural.