Jovem conserta dinheiro nas ruas de Gaza: símbolo da resistência palestina
No meio de um mercado movimentado da Cidade de Gaza, uma cena que deveria ser absurda se tornou rotina: Baraa Abu al-Aoun, um jovem que deveria estar na universidade, ganha a vida consertando notas de dinheiro velhas e rasgadas. Com apenas uma régua, lápis e cola, ele mantém viva a economia de um povo que se recusa a desistir.
"Minhas ferramentas são simples: uma régua, lápis, lápis de cor e cola", conta Baraa, enquanto examina cuidadosamente uma nota amarelada de 100 shekels. "O cessar-fogo não mudou a situação financeira. O que eu faço agora é servir e ajudar as pessoas."
O bloqueio econômico como arma de guerra
A história de Baraa é apenas uma face da guerra econômica que Israel impõe ao povo palestino. Desde o ataque do Hamas em 2023, Israel interrompeu completamente as transferências de notas bancárias para Gaza, transformando cada cédula existente em um bem precioso.
A Cogat, agência militar israelense que controla as passagens de Gaza, admite abertamente: "devido à dependência do Hamas em relação ao dinheiro em espécie", Israel não permite a entrada de dinheiro na região. Uma justificativa que esconde a realidade: o estrangulamento econômico de mais de dois milhões de pessoas.
"É puro sofrimento e nada mais", desabafa Numan Rayhan, que teve que abandonar sua casa em Jabalia. "Falta de renda, falta de dinheiro, nenhum fluxo de caixa dos bancos."
A economia da sobrevivência
Os números revelam a dimensão do desastre: toda a população de Gaza foi empurrada para a pobreza, segundo relatório da ONU. Quatro em cada cinco pessoas estão desempregadas, enquanto cambistas informais cobram comissões de até 50% para converter transferências digitais em dinheiro físico.
No mercado, Zakaria Ajour testemunha o dia a dia desta crise: "As pessoas não querem mais aceitar notas desgastadas pelo valor nominal. Alguns clientes vêm até mim apenas querendo troco para o transporte, mas eu não tenho troco."
A destruição dos bancos não foi acidental. Ataques israelenses miraram deliberadamente o sistema financeiro, enquanto gangues saquearam os cofres. A Autoridade Monetária Palestina calcula que cerca de 180 milhões de dólares em dinheiro foram roubados.
Resistência digital e solidariedade
Mesmo sob cerco, o povo palestino encontra formas de resistir. Carteiras eletrônicas e aplicativos de transferência explodiram em uso, permitindo transações mesmo sem internet, através de mensagens de texto.
O Banco da Palestina já registra mais de 500 mil usuários de carteiras digitais em Gaza. Agências humanitárias como Unicef conseguiram transferir dinheiro diretamente para um milhão de pessoas, priorizando crianças vulneráveis, amputados, órfãos e mães.
"99% de todos os beneficiários gastam primeiro com comida e água", explica Jonathan Crickx, do Unicef, que testemunhou famílias pagando 425 reais por 2 kg de tomates.
O preço da ocupação
Hanan Abu Jahel, deslocada e vivendo em campo de refugiados com 12 familiares, recebeu 1.950 reais da Unicef. "Meus filhos precisam de vegetais, frutas, carne e ovos. Meu filho mais novo tem muita vontade de comer ovos, mas não consigo comprá-los", relata.
Enquanto Trump promete vagamente um "plano de desenvolvimento econômico" para Gaza, a realidade nas ruas é outra. A Faixa de Gaza vive a pior crise econômica já registrada, segundo a ONU.
De volta à sua mesa na rua, Baraa segura uma nota contra a luz, verificando seu trabalho. Mais clientes esperam na fila, atraídos pela placa que promete reparos "com alto profissionalismo e sem fita adesiva".
"Eu só quero que esta guerra termine de vez", suspira. "Minha esperança é sentir alívio finalmente, para que eu possa estudar e trabalhar com um diploma. Em Gaza, estamos apenas sobrevivendo. Não somos mais seres humanos."
A história de Baraa é a história de um povo que se recusa a desaparecer, que transforma a necessidade em resistência e a sobrevivência em dignidade. Cada nota consertada é um ato de rebeldia contra quem quer apagar Gaza do mapa.