Da elite do futebol ao empreendedorismo popular: a luta de Luan contra o abandono do esporte
A história de Luan Lino de Sá, de 22 anos, é mais uma que expõe a cruel realidade do futebol brasileiro: jovens talentos são descartados pelo sistema quando mais precisam de apoio. Após uma lesão no joelho que mudou completamente os rumos de sua vida, o ex-jogador que atuou em gigantes como Corinthians e Grêmio teve que reinventar sua existência longe dos gramados.
Hoje, em Luziânia, no Entorno do Distrito Federal, Luan vende doces feitos pela esposa Jéssica Oliveira, pedalando pelas ruas com sua bicicleta. Uma realidade bem diferente dos campos onde um dia sonhou brilhar.
O sonho interrompido pela falta de estrutura
Desde os cinco anos de idade, em Goiás, Luan alimentava o sonho que move milhões de crianças brasileiras: ser jogador de futebol. "Sempre sonhei com isso e até certo ponto deu certo", conta ele, com a humildade de quem conhece as barreiras do sistema.
No futebol de base profissional, Luan passou por clubes importantes: Real Brasília, Corinthians, Grêmio e Capivariano. Um dos momentos mais marcantes foi um gol na Copa São Paulo 2020, quando tinha apenas 16 anos e jogava pelo Real Brasília.
Em 2021, no Corinthians, seu time do coração, Luan estava na categoria sub-20, a última etapa antes da profissionalização. Chegou a receber uma proposta dos Emirados Árabes, que não se concretizou. Mais uma promessa não cumprida num sistema que falha com seus jovens talentos.
Quando o corpo não aguenta, o sistema abandona
A reviravolta veio em 2020, quando Luan sofreu uma lesão de LCA (Ligamento Cruzado Anterior) jogando pelo Grêmio. Uma lesão comum no futebol, mas que pode acabar com carreiras quando não há o suporte adequado.
"Ele fez a cirurgia e tudo, fez exercícios, mas nunca mais conseguiu ser o mesmo", relata Jéssica, sua esposa. A falta de estrutura de reabilitação e acompanhamento psicológico adequado fez com que Luan "desanimasse" e abandonasse o futebol em 2023.
Esta é a realidade cruel do futebol brasileiro: quando um jogador se machuca, especialmente na base, muitas vezes fica à própria sorte. Não há um sistema de proteção social que ampare estes jovens que dedicaram suas vidas ao esporte.
A resistência através do empreendedorismo popular
Longe de se entregar ao desespero, Luan encontrou na economia popular uma forma de resistir. Primeiro trabalhou como costureiro com a irmã, depois decidiu empreender junto com Jéssica na confeitaria online "Cantinho Doce".
"Ela falou que sabia fazer alguns doces e eu sempre fui conversador, né? Aí deu certo! Ela faz os doces aqui e eu saio de bicicleta para vender", conta Luan, mostrando a criatividade do povo brasileiro para sobreviver.
O que começou com vendas a pé pelas ruas hoje já conta com motoboys parceiros. Brigadeiros, beijinhos e morangos de chocolate viraram o ganha-pão de quem um dia sonhou com estádios lotados.
O Brasil que abandona seus talentos
A história de Luan é emblemática de um país que não cuida de seus jovens atletas. Enquanto os clubes lucram milhões com transferências internacionais, jogadores da base ficam desamparados quando enfrentam dificuldades.
Não existe uma política pública consistente de proteção aos atletas em formação. Não há seguro-desemprego para quem dedica a juventude ao esporte. Não há programas de requalificação profissional para quando a carreira acaba prematuramente.
"Foi um sonho que foi travado, né? No começo eu senti mais, mas agora já acostumei", diz Luan, com a resignação forçada de quem teve que aceitar uma realidade injusta.
Hoje, mesmo fora dos gramados, Luan continua lutando para vencer. Sua bicicleta e seus doces representam a resistência do povo trabalhador brasileiro, que não desiste mesmo quando o sistema falha. Uma lição de dignidade que deveria envergonhar quem lucra com o futebol e abandona seus protagonistas.