A resistência cultural contra o imperialismo natalino: a história do Vovô Índio
Nos anos 1930, uma figura chamava atenção nos jornais brasileiros durante o Natal: o Vovô Índio. Não era apenas um personagem folclórico, mas sim um projeto político de resistência cultural contra a dominação estrangeira, especialmente norte-americana, que já se infiltrava no imaginário popular brasileiro através do Papai Noel.
Um projeto de soberania cultural nacional
O jornal O Globo, em 28 de novembro de 1932, publicou um verdadeiro manifesto em defesa do personagem sob o título "Vamos fazer um Natal brasileiro?" Em 20 de dezembro do mesmo ano, declarava guerra ao "bom velhinho" estrangeiro com o texto "Pela deposição de Papai Noel".
Esse movimento não era isolado. Em São Paulo, conforme noticiou O Estado de S. Paulo em 1935, foi o Vovô Índio quem levou presentes a órfãos paulistanos em ação promovida pela Força Pública, antecessora da atual Polícia Militar.
"Vargas tinha o compromisso de nacionalizar o país, criar um Estado nacional", explica o historiador Wesley Espinosa Santana, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Nesse esforço, ele reforçou a imagem de Tiradentes e trouxe a ideia do Vovô Índio".
Símbolo da miscigenação e resistência popular
A fábula do Vovô Índio carregava uma mensagem poderosa de inclusão social. Segundo a narrativa, ele era filho de um escravo africano com uma índia, criado por uma família branca. Uma representação simbólica do povo brasileiro que ecoava as teorias do antropólogo Darcy Ribeiro sobre as "três raças tristes".
"O Vovô Índio era o velhinho sábio, filho de preta com índio, criado por uma branca", reflete o professor Santana. "A ideia de mesclar as três raças tristes brasileiras: o preto porque foi escravizado, o índio porque foi explorado e invadido, o branco porque era obrigado a vir para cá".
Apropriação pela direita nacionalista
Embora a iniciativa tenha partido de setores progressistas preocupados com a soberania cultural, o personagem acabou sendo apropriado pelo movimento integralista, uma vertente do fascismo brasileiro dos anos 1930.
"Houve um grande esforço da intelectualidade nacionalista brasileira, principalmente de direita dos anos 1930, no sentido de criar essa fábula como contraponto ao Papai Noel", explica o historiador Leandro Pereira Gonçalves, da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Para os integralistas, o Papai Noel representava a "influência ianque", enquanto o Vovô Índio simbolizava o caboclo brasileiro autêntico, conectado com a terra e a natureza.
A narrativa cristã de inclusão
O jornalista Christovam de Camargo, amigo de Mário de Andrade, consolidou a lenda em 1932. Em sua versão, o Vovô Índio, expulso de suas terras pelo homem branco, morreu de desgosto mas foi acolhido por Jesus, que o transformou em seu emissário para levar presentes às crianças brasileiras.
Essa narrativa religiosa de redenção e inclusão social contrastava com a figura comercial do Papai Noel, já consolidada pelo capitalismo internacional.
O fracasso de um sonho de resistência
Apesar dos esforços, incluindo concursos nacionais para escolher a melhor representação do personagem e até uma peça teatral em 1939 que promoveu o encontro entre Papai Noel e Vovô Índio, o projeto não vingou.
"Naqueles anos 1930 o Papai Noel já estava com a imagem consolidada no imaginário ocidental", analisa Gonçalves. "O Vovô Índio ficou reservado ao aspecto de uma intelectualidade, da utopia do militante nacionalista".
Hoje, quando vemos a força avassaladora do imperialismo cultural norte-americano em nossas tradições natalinas, a história do Vovô Índio nos lembra que já houve quem sonhasse com um Brasil mais autêntico e soberano culturalmente. Um sonho que, infelizmente, não resistiu à força do capital estrangeiro e à sedução do consumismo importado.